Lançamento Copilot-CLI + Spec Kit
ProgramaçãoEssa semana o Github lançou o Copilot-CLI e o Spec Kit. E isso pode ser o fim do Vibe Coding como conhecemos.

Recentemente, o GitHub lançou em Public Preview uma ferramenta que, na minha opinião, tem o potencial de alterar fundamentalmente nosso fluxo de trabalho: o GitHub Copilot CLI. Sim, eu sei o que você pode estar pensando. "Outra ferramenta de IA? Mais um Copilot?". Eu entendo o ceticismo. Como já comentei aqui no blog, a onda de IA generativa trouxe muita coisa boa, mas também muito ruído. No entanto, o que me chamou a atenção aqui não é apenas a IA, mas onde ela está sendo aplicada e como.
Estamos falando de trazer um agente de codificação, com capacidade de planejamento e execução de tarefas complexas, diretamente do terminal. Isso elimina uma das maiores fontes de atrito no nosso dia a dia: a troca de contexto. Chega de alternar entre o editor, o navegador para pesquisar algo no Stack Overflow e o terminal para rodar um comando. A proposta é centralizar uma parte significativa do ciclo de desenvolvimento onde muitos de nós passamos a maior parte do tempo.
Neste artigo, quero dissecar essa nova ferramenta, não apenas do ponto de vista técnico, mas também filosófico. O que significa ter um "parceiro" de IA no terminal? Como isso se encaixa em um fluxo de trabalho mais estruturado, como o proposto pelo Spec-Driven Development? E, mais importante, isso realmente nos torna melhores engenheiros, ou é apenas mais uma camada de complexidade? Vamos mergulhar nisso.
O que exatamente é o GitHub Copilot CLI e por que deveríamos nos importar?
Na sua essência, o Copilot CLI é um assistente de codificação alimentado por IA que vive no seu terminal. A ideia é que você possa conversar com ele em linguagem natural para construir, depurar e entender código. Ele é alimentado pelo mesmo motor que o GitHub Copilot que já conhecemos e amamos (ou odiamos) no VS Code, mas a interação é fundamentalmente diferente.
Ao invés de apenas autocompletar código, o CLI atua como um verdadeiro agente. Ele pode planejar e executar tarefas mais complexas, como refatorar um trecho de código, adicionar testes ou até mesmo implementar uma nova funcionalidade com base em uma especificação. E aqui está o ponto que, para mim, é crucial: você tem controle total. A ferramenta permite pré-visualizar cada ação antes que ela seja executada. Nada acontece sem a sua aprovação explícita. Isso elimina o medo de uma IA "enlouquecer" e destruir seu código. A decisão final é sempre sua.
Outro aspecto interessante é a sua profunda integração com o ecossistema do GitHub. O agente pode acessar seus repositórios, issues e pull requests, tudo autenticado com sua conta, permitindo um contexto muito mais rico para as suas solicitações.
E os modelos por baixo dos panos? Por padrão, ele utiliza o Claude Sonnet 4, mas oferece a flexibilidade de usar o GPT-5 através de uma simples variável de ambiente. Isso mostra uma maturidade interessante, permitindo que o desenvolvedor escolha o motor que melhor se adapta à sua necessidade, em vez de ficar preso a um único modelo.
A proposta de valor é clara: manter o desenvolvedor imerso no terminal, acelerar o ciclo de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, garantir segurança e controle.
Como começar a usar? É complicado?
Felizmente, a barreira de entrada é surpreendentemente baixa, o que é um alívio. Chega de configurações complexas que levam horas. O processo é direto.
Pré-requisitos:
- Plataforma: Linux, macOS ou Windows (este último ainda em fase experimental).
- Software: É preciso ter o Node.js (v22 ou superior) e o npm (v10 ou superior) instalados. Para os usuários de Windows, o PowerShell v6 ou superior é necessário.
- Assinatura: Obviamente, você precisa de uma assinatura ativa do GitHub Copilot. Se você acessa através de uma organização, o administrador precisa habilitar o uso do CLI.
Instalação:
A instalação é feita globalmente via npm, com um único comando:
npm install -g @github/copilot
Depois de instalado, basta digitar copilot
no terminal para iniciá-lo. Na primeira vez, você precisará se autenticar com sua conta do GitHub usando o comando /login
. A recomendação é sempre iniciar a ferramenta dentro da pasta do projeto em que você está trabalhando, para que ele tenha o contexto do seu código.
É simples assim. Em poucos minutos, você tem um agente de IA pronto para trabalhar no seu terminal.
Desenvolvimento orientado por especificações (Spec-Driven Development)
Agora chegamos à parte que, na minha visão, eleva o Copilot CLI de um "assistente legal" para uma ferramenta potencialmente transformadora. Ele foi projetado para brilhar quando usado em conjunto com uma metodologia chamada Spec-Driven Development (SDD), implementada através de um toolkit open-source chamado Spec Kit.
O que é SDD? É uma inversão da abordagem tradicional. Em vez de começarmos a codificar e depois, talvez, escrevermos alguma documentação ou especificação, o SDD coloca a especificação no centro de tudo. A especificação não é um documento estático que fica esquecido em um Confluence da vida. Ela se torna a fonte da verdade, um artefato executável que gera diretamente a implementação, os testes e a divisão de tarefas.
Essa abordagem me agrada profundamente por alguns motivos. Ao longo da minha carreira, vi inúmeros projetos falharem não por problemas técnicos, mas por uma falha fundamental de comunicação e alinhamento. O SDD força essa conversa a acontecer primeiro. Ele nos obriga a pensar no "o quê" e no "porquê" antes de mergulharmos no "como".
O Spec Kit estrutura esse processo em um fluxo de trabalho claro, guiado por comandos específicos dentro do Copilot CLI. É um processo de refinamento em múltiplas etapas, que evita a tentação da "geração mágica" de código em uma única tentativa, algo que, sabemos, raramente funciona para problemas complexos.
Construindo com o Copilot CLI e o Spec Kit
Vamos ver como isso funciona na prática. O processo é bem estruturado e cada passo tem um propósito claro.
Passo 1: Inicializar o Projeto
Primeiro, você precisa instalar a ferramenta de linha de comando do Spec Kit, chamada specify. Depois, você inicializa seu projeto, já apontando para o Copilot CLI como o agente de IA a ser usado.
specify init <NOME_DO_PROJETO> --ai copilot
Isso cria a estrutura de pastas e arquivos necessária para o Spec Kit funcionar.
Passo 2: Definir os Princípios (/constitution)
Este é um passo que muitos podem ignorar, mas que considero genial. Antes de escrever uma única linha de especificação, você define a "constituição" do seu projeto. Aqui você estabelece as diretrizes de qualidade de código, padrões de teste, requisitos de performance, consistência de UX, etc.
Exemplo:
/constitution Crie princípios focados em qualidade de código, padrões de teste, consistência da experiência do usuário e requisitos de performance
Esse comando cria um arquivo que servirá de guia para todas as decisões futuras do agente de IA. É como dar os "valores" e "princípios éticos" para a IA que vai te ajudar.
Passo 3: Criar a Especificação (/specify)
Aqui você descreve, em alto nível, o que quer construir. A chave é focar no problema de negócio, não na tecnologia.
Exemplo:
/specify Desenvolva uma página de destino para um podcast com três episódios em destaque.
O agente, então, pega essa descrição e a expande em uma especificação detalhada, com histórias de usuário e requisitos funcionais.
Passo 4: Esclarecer Dúvidas (/clarify)
Nenhum requisito é perfeito. Sempre há ambiguidades. O comando /clarify inicia um processo onde o agente de IA faz perguntas para esclarecer pontos que não ficaram claros na especificação. Ele pode, por exemplo, apresentar uma tabela com opções para você escolher, preenchendo as lacunas do que foi especificado. Isso garante que, antes de planejar a parte técnica, todos estejam na mesma página.
Passo 5: Gerar o Plano Técnico (/plan)
Agora sim, é hora de falar de tecnologia. Você informa a stack tecnológica, a arquitetura e outras restrições técnicas.
Exemplo:
/plan O aplicativo deve usar Next.js com build de site estático e sem bancos de dados, apenas dados mock.
Com base nisso e na especificação já esclarecida, o agente gera um plano técnico completo, incluindo detalhes de implementação, contratos de API e modelos de dados.
Passo 6: Quebrar em Tarefas (/tasks)
Com o plano em mãos, o agente decompõe tudo em tarefas pequenas, atômicas e revisáveis, que podem ser implementadas e testadas de forma isolada. Isso é fundamental para um desenvolvimento ágil e iterativo.
Passo 7: Analisar (/analyze) - Opcional
Antes de implementar, você pode rodar o comando /analyze para que a IA faça uma verificação cruzada de consistência entre todos os artefatos gerados (especificação, plano, tarefas) e garanta que tudo está em conformidade com a "constituição" definida no início.
Passo 8: Implementar (/implement)
Finalmente, a coisa acontece. Com o comando /implement, o agente começa a executar as tarefas, uma por uma, respeitando as dependências. Ele vai rodar comandos no seu terminal (como npm install), criar arquivos, escrever código, tudo de acordo com o plano. E lembre-se, cada passo precisa da sua aprovação.
Nem tudo são flores
Como um velho cético da indústria, eu não seria honesto se não apontasse também os desafios e as possíveis armadilhas dessa abordagem.
Primeiro, a dependência de uma ferramenta. Embora o Spec Kit seja open-source, estamos nos atrelando a um fluxo de trabalho bastante específico. Ferramentas como o Warp Terminal já integram IA de forma nativa e oferecem uma experiência mais holística de "terminal reimaginado", com recursos de colaboração e workflows salvos que o Copilot CLI ainda não tem. A questão é: queremos um canivete suíço como o Warp ou uma ferramenta especialista como o Copilot CLI? A resposta, como sempre, é: depende.
Segundo, a curva de aprendizado. Embora a instalação seja simples, dominar o fluxo do Spec-Driven Development exige uma mudança de mentalidade. Muitos desenvolvedores estão acostumados com o que alguns chamam de "vibe coding": uma abordagem mais livre e exploratória. O SDD é, por natureza, mais estruturado e deliberado. Para alguns, isso pode parecer burocrático e lento no início, especialmente para projetos menores ou protótipos. Há uma discussão válida na comunidade sobre quando essa abordagem mais formal realmente compensa.
Terceiro, a qualidade da geração. No final do dia, a eficácia de tudo isso depende da capacidade dos modelos de IA (Claude, GPT, etc.) de gerar código, planos e especificações de alta qualidade. Eles estão melhorando a uma velocidade assustadora, mas ainda não são perfeitos. A supervisão humana continua sendo não apenas recomendada, mas absolutamente essencial. O desenvolvedor passa de "escritor de código" para "revisor e arquiteto de prompts e resultados", uma mudança de papel sutil, mas profunda. O SDD pode ajudar a estruturar essa interação, mas não elimina a necessidade de um profundo conhecimento técnico para validar o que a IA produz.
Por fim, é uma ferramenta em preview. Isso significa que vai ter bugs, que a documentação pode não ser perfeita e que as coisas vão mudar rapidamente. É preciso ter isso em mente e estar disposto a lidar com os solavancos do caminho se você for um early adopter.
Concluindo: Programadores se tornarão arquitetos de software?
Não, eu não acredito nisso. O que estamos vendo com ferramentas como o GitHub Copilot CLI e metodologias como o Spec-Driven Development não é uma transformação pesada na visão do programador, mas sim uma elevação do nosso papel.
Por anos, nós, engenheiros, fomos tratados – e muitas vezes nos comportamos – como se fôssemos digitadores glorificados, traduzindo requisitos de negócio em código. O trabalho braçal de escrever o boilerplate, de lembrar a sintaxe exata de uma função ou de configurar um projeto do zero, muitas vezes ofuscava o verdadeiro trabalho: resolver problemas.
O que essa nova geração de ferramentas propõe é automatizar essa tradução. A especificação, a intenção, a "constituição" do projeto se tornam os artefatos primários. O código se torna um resultado, um produto derivado dessa intenção. Isso nos liberta para focar em perguntas de mais alto nível: "Estamos construindo a coisa certa?", "Qual a melhor arquitetura para resolver este problema?", "Como garantimos que este sistema seja escalável, seguro e manutenível?".
A revolução, portanto, não está na geração de código em si. Está na mudança do nosso foco, da sintaxe para a semântica, do "como" para o "o quê" e o "porquê". O terminal, esse ambiente que parecia ter parado no tempo, está se tornando o palco central para essa transformação, um lugar de diálogo entre a intenção humana e a execução da máquina.
Ainda é cedo, e o caminho será longo. Mas, pela primeira vez esse mês, sinto que as ferramentas estão começando a se alinhar com a verdadeira essência da engenharia de software. E isso me deixa genuinamente animado com o futuro. A pergunta que fica para todos nós é: estão prontos para deixar de ser apenas codificadores para se tornarem verdadeiros arquitetos de sistemas, com a IA como um poderosa ferramenta de construção?
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