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Sua empresa precisa de um CTO?

Neste artigo falo sobre o importante papel de um CTO em uma empresa. Embora possa parecer meio óbvio, as vezes o óbvio precisa ser dito.
Sua empresa precisa de um CTO?
Photo by Hitesh Choudhary / Unsplash

Se você piscar, uma nova tecnologia nasce e outra se torna obsoleta. Vivemos em um redemoinho de inovação, uma era que alguns apelidaram de "disrupção constante". Para as empresas, isso soa tanto como uma oportunidade de ouro quanto como um alarme de incêndio ensurdecedor. Sentir-se despreparado para essa avalanche tecnológica não é apenas comum, é a norma. Uma pesquisa recente da Deloitte, no final de 2024, revelou um dado alarmante: quase 70% dos líderes empresariais admitem que suas organizações não estão totalmente equipadas para navegar e capitalizar sobre as mudanças tecnológicas que definirão a próxima década. Eles veem o tsunami se formando no horizonte, mas não têm certeza se seu barco é resistente o suficiente.

É aqui que entra em cena uma figura cada vez mais crucial no xadrez corporativo: o Chief Technology Officer, ou CTO. Se no passado o CTO era visto como o "chefe dos nerds", um expert técnico confinado à sala dos servidores, hoje essa imagem está tão ultrapassada quanto um disquete. O CTO de 2025 é um estrategista, um visionário, um catalisador de mudanças e, acima de tudo, um líder de negócios que por acaso fala fluentemente a língua da tecnologia.

Este não é apenas mais um artigo qualquer sobre um cargo da alta gestão. Minha ideia aqui é fazer uma espécie de mapa. Vou mergulhar fundo no universo do CTO, desmistificando seu papel, explorando suas múltiplas facetas e, o mais importante, mostrando por que ter um CTO eficaz não é um luxo para gigantes da tecnologia, mas uma necessidade imperativa para qualquer empresa que queira continuar relevante amanhã. E, claro, como garantir que essa peça-chave do seu quebra-cabeça seja usada da maneira certa.

Do porão à sala de reuniões

Para entender a importância do CTO hoje, precisamos fazer uma breve viagem no tempo. O título de CTO surgiu há décadas, mas, como o artigo da McKinsey de 2018 (1) aponta, sua definição sempre foi um tanto fluida. Originalmente, o CTO era o guardião da tecnologia do produto. Em uma empresa de software, ele era o arquiteto-chefe; em uma indústria, o engenheiro-mestre. Seu foco era primariamente interno, garantindo que a "mágica" tecnológica por trás dos produtos funcionasse sem falhas.

Com a explosão da internet e da TI nos anos 90 e 2000, o papel começou a se confundir com o do CIO (Chief Information Officer). O CIO tradicionalmente cuida da infraestrutura de TI interna – redes, segurança, sistemas de gestão. A linha entre a tecnologia que a empresa usa (domínio do CIO) e a tecnologia que a empresa vende (domínio do CTO) tornou-se tênue.

Então, veio a onda digital, trazendo consigo o CDO (Chief Digital Officer), um papel criado para liderar a transformação digital, focando em novos modelos de negócio e na experiência do cliente no mundo online. Essa proliferação de "chefes de tecnologia" criou uma verdadeira sopa de letrinhas no organograma de muitas empresas, gerando confusão sobre quem faz o quê.

Hoje, em 2025, as fronteiras entre esses papéis estão se dissolvendo ainda mais, mas ao mesmo tempo, o verdadeiro propósito do CTO moderno se tornou mais claro e mais vital do que nunca. A tecnologia deixou de ser um departamento para se tornar o tecido conjuntivo de toda a organização. A inteligência artificial não é apenas uma ferramenta de P&D; ela está no marketing, no atendimento ao cliente, na logística. A computação em nuvem não é apenas sobre armazenamento; é sobre agilidade e escalabilidade do negócio.

O CTO de 2025 transcendeu a dicotomia interno/externo. Ele deve ser o maestro que garante que todas essas tecnologias – as que a empresa usa, as que ela vende e as que estão prestes a mudar o mundo – toquem em harmonia para criar uma sinfonia de sucesso e inovação.

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Photo by Alex Kotliarskyi / Unsplash

O que ele realmente faz?

Esqueça a descrição de cargo genérica. O trabalho de um CTO em 2025 é um mosaico complexo de responsabilidades. Podemos dividi-las em quatro grandes áreas de atuação:

1. O visionário do futuro (estrategista tecnológico): Esta é talvez a função mais crítica e que mais se expandiu. O CTO é o vigia na torre, com um telescópio apontado para o horizonte tecnológico. Sua missão é identificar tendências emergentes, separar o hype da realidade e traduzir tecnologias complexas em oportunidades de negócio concretas. Ele não está apenas olhando para "big data" ou "machine learning", como destacado no artigo de 2018. Ele está avaliando o impacto da computação quântica na segurança de dados, o potencial da biologia sintética para criar novos materiais e como a Web3 e os ativos descentralizados podem revolucionar as transações comerciais.

Essa função é puramente externa e proativa. Como disse Greg Papadopolous, ex-CTO da Sun Microsystems, de forma brilhante: "O CFO não é responsável por gerar receita todo trimestre, mas se houver uma grande surpresa, demita-o. O CTO não é responsável por entregar produtos todo trimestre, mas se você perder a Internet ou um ponto de inflexão técnico semelhante, demita-o". A responsabilidade do CTO é garantir que a empresa não seja pega de surpresa, que ela não tenha seu "momento Kodak" ou "momento Blockbuster".

2. O catalisador da inovação (arquiteto de capacidades): Não basta ver o futuro; é preciso construí-lo. O CTO é o arquiteto que projeta e implementa a "fábrica de inovação" da empresa. Isso vai muito além de gerenciar o departamento de P&D. Envolve criar uma cultura onde a experimentação é incentivada e o fracasso é visto como um degrau para o aprendizado.

Ele fomenta a colaboração entre silos, garantindo que a genialidade de um departamento possa ser aproveitada por outro. Por exemplo, uma inovação em materiais desenvolvida para um produto específico pode revolucionar outra linha de negócios completamente diferente, como o exemplo do PEEK (polieteretercetona) substituindo componentes de metal em várias categorias de produtos. O CTO é quem conecta esses pontos. Ele também é o responsável por atrair, reter e desenvolver os melhores talentos técnicos, criando um ambiente onde engenheiros, cientistas de dados e desenvolvedores queiram trabalhar e dar o seu melhor.

3. O tradutor universal (a ponte entre tecnologia e negócios): Um CTO pode ser o maior gênio técnico do mundo, mas se não conseguir explicar por que uma nova arquitetura de microsserviços é crucial para o CEO ou para o Diretor de Marketing em termos que eles entendam, ele falhará. O CTO moderno é um comunicador excepcional, um tradutor que converte o "tecniquês" em linguagem de negócios (lucro, market share, satisfação do cliente) e vice-versa.

Ele se senta na mesa com os outros líderes e não fala apenas de código, mas de como a tecnologia pode reduzir o custo de aquisição de clientes, aumentar o lifetime value ou abrir novos mercados. Ele garante que o roadmap tecnológico esteja perfeitamente alinhado com a estratégia de negócios da empresa, evitando que a tecnologia se torne um fim em si mesma.

4. O guardião do presente (supervisor da execução): Embora o foco estratégico seja primordial, o CTO ainda tem a responsabilidade de garantir que a casa esteja em ordem. Isso significa supervisionar a arquitetura tecnológica, garantir a escalabilidade, a segurança e a confiabilidade dos sistemas e produtos. Ele estabelece os padrões técnicos, as melhores práticas de engenharia e garante que as equipes de desenvolvimento tenham as ferramentas e os processos para entregar produtos de alta qualidade de forma rápida e eficiente. Em muitas organizações, especialmente as menores, ele ainda "põe a mão na massa", orientando as decisões técnicas mais críticas.

Os 4 perfis de CTO: qual deles sua empresa precisa?

Assim como não existe um tipo único de empresa, não existe um tipo único de CTO. O artigo da McKinsey introduziu uma matriz excelente para classificar os estilos de CTO com base em dois eixos: "Grau de Controle" e "Habilidade de Alocar Recursos". Vamos revisitar e expandir esses perfis com uma lente de 2025.

1. O "Influenciador" (o diplomata sábio):

  • Perfil: Baixo controle formal, baixa habilidade de alocar recursos. Este CTO lidera pela influência, não pela autoridade. Ele é um conselheiro, um coach, um "evangelista" tecnológico. Sua principal arma é seu conhecimento profundo, sua rede de contatos e sua capacidade de persuasão.
  • Onde ele brilha: Em grandes conglomerados com unidades de negócio muito autônomas e culturas fortes, ou em indústrias menos intensivas em tecnologia. Pense em uma grande empresa de bens de consumo. O CTO não vai ditar qual tecnologia a marca de xampu deve usar, mas ele pode apresentar uma nova tecnologia de embalagem sustentável e convencer os líderes da marca a adotá-la.
  • Desafio em 2025: Em um mundo que exige agilidade, a liderança por influência pode ser lenta demais. O "Influenciador" corre o risco de ser visto como um acadêmico, cheio de boas ideias, mas com pouco impacto prático. Para ser eficaz, ele precisa de um apoio muito forte do CEO e de vitórias rápidas para construir credibilidade.

2. O "Habilitador" (o maestro da orquestra):

  • Perfil: Baixo controle formal, alta habilidade de alocar recursos. O "Habilitador" não comanda as unidades de negócio, mas tem um orçamento e uma equipe de especialistas que pode "emprestar" para acelerar projetos críticos. Ele é um facilitador, focado em melhorar processos, disseminar as melhores práticas e fornecer recursos para quem precisa.
  • Onde ele brilha: Em empresas com múltiplas unidades de negócio que compartilham tecnologias em comum. Imagine uma empresa de manufatura com várias divisões. O "Habilitador" pode criar um "centro de excelência" em impressão 3D ou em IoT (Internet das Coisas) que atende a todas as divisões, evitando a duplicação de esforços e custos.
  • Força em 2025: Este modelo é extremamente poderoso para disseminar inovações como a IA generativa. Em vez de cada departamento tentar construir seu próprio chatbot ou ferramenta de análise, o "Habilitador" pode fornecer uma plataforma central e a expertise para que todos a utilizem de forma eficaz e segura.

3. O "Desafiador" (o advogado do diabo construtivo):

  • Perfil: Alto controle formal, baixa habilidade de alocar recursos. Este CTO tem poder de veto. Ele não gerencia o orçamento do dia a dia das unidades de negócio, mas pode questionar, auditar e até mesmo parar projetos que não estejam alinhados com a estratégia geral ou que não estejam performando bem.
  • Onde ele brilha: Em empresas de tecnologia com P&D forte, mas descentralizado, onde as unidades de negócio podem se tornar complacentes ou excessivamente focadas em seus próprios umbigos. O "Desafiador" é o guardião da estratégia, garantindo que a empresa não invista em 10 projetos "meia-boca", mas sim em 3 ou 4 que podem mudar o jogo.
  • Importância em 2025: Com o ciclo de vida das tecnologias cada vez mais curto, a capacidade de "matar" projetos rapidamente é tão importante quanto a de iniciá-los. O "Desafiador" garante que a empresa não caia na falácia dos custos irrecuperáveis, insistindo em um projeto fadado ao fracasso apenas porque já investiu muito nele.

4. O "Proprietário" (o general no comando):

  • Perfil: Alto controle formal, alta habilidade de alocar recursos. Este é o CTO "clássico" das startups e de muitas empresas de produto único. Ele tem controle total sobre toda a engenharia e P&D. O orçamento, as contratações, o roadmap – tudo passa por ele.
  • Onde ele brilha: Em empresas onde a tecnologia e o produto são uma coisa só. Pense no CTO de uma fintech ou de uma empresa de SaaS (Software as a Service). A coesão e a velocidade são cruciais, e a centralização do poder no "Proprietário" permite isso. As montadoras de automóveis tradicionalmente seguiram este modelo.
  • Risco em 2025: O maior perigo para o "Proprietário" é se tornar um ditador desconectado da realidade do mercado. Em um mundo onde o feedback do cliente é instantâneo e as necessidades mudam rapidamente, uma visão centralizada demais pode levar a produtos tecnicamente brilhantes, mas que ninguém quer comprar. Além disso, à medida que a empresa cresce e diversifica (como as montadoras se movendo para serviços de mobilidade), o modelo de "Proprietário" pode se tornar um gargalo.

Dica Extra

Se sua empresa fatura ou planeja faturar mais de 6 dígitos anualmente, evite contratar um CTO com menos de 15 ou 20 anos de experiência no mercado de tecnologia. Eu sei que muitas startups tem jovens brilhantes ou programadores excelentes na posição. Mas ser CTO vai muito além de saber programar ou conhecer a fundo uma determinada tecnologia.

Saber o que usar para desenvolver uma aplicação é o menor dos problemas. Saber o que não usar é ainda mais valioso. Porque demonstra que a pessoa já errou ao longo do caminho e sabe como evitar cometer o mesmo erro. Uma pessoa jovem, por mais brilhante que seja, não foi calejada o suficiente pela vida para entender e lidar com os mais diversos cenários que um CTO precisa lidar.

Além da parte técnica, é preciso saber lidar com pessoas. Gerir times, enfrentar o contraditório, ver o sistema colapsar na sua frente e passar o fim de semana tentando restaurar. Algumas coisas, só com o tempo a gente aprende.

Como fazer seu CTO brilhar

Contratar um CTO brilhante é apenas metade da batalha. A outra metade é criar um ambiente onde ele possa ter sucesso. Muitas vezes, as empresas contratam um visionário e depois o acorrentam com burocracia e falta de apoio, levando à "rejeição de órgãos". Aqui estão alguns dos ingredientes essenciais para o sucesso:

  • Mandato claro e apoio do topo: O que exatamente a empresa espera do CTO? Aumentar a velocidade da inovação? Explorar novos mercados? Modernizar a infraestrutura? Esse mandato precisa ser cristalino e, crucialmente, apoiado publicamente pelo CEO e pelo conselho. O CTO não pode ser um lobo solitário.
  • O assento certo na mesa: O CTO deve ser um membro pleno e respeitado da equipe executiva. Se ele reporta para o CFO ou para o COO, a mensagem implícita é que a tecnologia é um centro de custo, não um motor de crescimento.
  • Recursos adequados: Boas ideias sem orçamento são apenas sonhos. Seja no modelo "Habilitador" ou "Proprietário", o CTO precisa de recursos (financeiros e humanos) para transformar a estratégia em realidade. Isso não significa um cheque em branco, mas sim um investimento proporcional à importância estratégica da tecnologia.
  • Licença para desafiar (e falhar): O CTO deve ter a segurança psicológica para desafiar o status quo, para questionar as "vacas sagradas" da empresa. E, igualmente importante, ele precisa de espaço para experimentar e falhar. Se cada falha em um projeto inovador for punida, a inovação morrerá de medo. A cultura da empresa deve abraçar o risco calculado.

Ignorar o CTO é um suicídio corporativo

Voltamos ao início: a disrupção tecnológica não vai desacelerar. Pelo contrário, a chegada da IA generativa acessível, os avanços em biotecnologia e a corrida pela computação quântica são apenas o começo de uma nova onda de mudanças ainda mais profundas.

Neste cenário, ter uma liderança tecnológica fraca ou inexistente não é mais uma opção. As empresas que falham em colocar a tecnologia no centro de sua estratégia estão, na prática, planejando sua própria obsolescência. Elas podem sobreviver por mais um ano, talvez cinco, mas a correnteza da inovação acabará por arrastá-las.

O Chief Technology Officer de 2025 é o navegador, o capitão e o engenheiro-chefe deste barco. Ele é quem entende as correntes, ajusta as velas e garante que o motor esteja funcionando com potência máxima. Ter um CTO não é apenas sobre ter os melhores gadgets ou o código mais limpo. É sobre ter uma visão. É sobre ter a coragem de abandonar o que funcionou ontem para construir o que funcionará amanhã. É, em última análise, sobre garantir que sua empresa não apenas sobreviva à tempestade tecnológica, mas que aprenda a surfar nas suas ondas, rumo a um futuro de crescimento e sucesso sustentável. A pergunta final não é se você pode se dar ao luxo de ter um grande CTO, mas se pode se dar ao luxo de não ter um.

(1)